Paletas

terça-feira, 9 de março de 2010

TROCA DE ESTAÇÕES



São as águas de Março fechando o verão. E que verão! Ressalto-o não só pela quentura, que não foi pouca, mas pela porção de memória que ele vai me ocupar depois de tanta água, tormenta, toró, vendaval e os diabos... Do bojo das intempéries e dos erros, extrai o aprendizado, meu único legado desta vida, tão parca de luxúria, mordomias e dos bolsos fartos da grana. Decerto, eles não são vazios: têm sempre um bocado de papel amarrotado com alguns fiapos e, enfiado nisso tudo, uma medalhinha de São Jorge. Mas não entremos nas profundezas de um bolso desinteressante feito o meu. Antes, só me deixe guardar o São Jorge. Disto que escreverei, ele nada sabe.


Faço valer a minha condição, que é a mesma que a sua. E disto, digo já de boca cheia, farei jus mesmo que tropece numa mesma pedra. A questão floreceu, porque há tempos errei e, ontem, enganei-me com coisa semelhante. Nem por isso, somos imbecis. Certa vez, cai em virtude de Cecília, cujo amor não me correspondeu. Ontem, enquanto assistia ao movimento da rua Rezende às 6, apaixonei-me por outra, que segundo o seu crachá, chamava-se Marcela. Ela era graciosa, cabelos ondulados cor de mel, olhos amendoados e tez alva. Eu, ensebado com o cigarro ao canto da boca, estava debruçado na janela e pouco tinha a lhe oferecer de charme, senão minhas palavras adoçadas por encanto. Contudo, querido mais uma vez eu não fui.


Parti do princípio silogístico. Se, por um lado, "errar é humano", e, por outro, "amar é unicamente do ser humano", logo "amar" seria "errar"? Evidente que não. Embora lógico meu raciocínio, não lhe dei total razão. Prefiro pensar-me como homem dividido numa pequena parte de frieza e números, e numa grande de sentimentalismo, de poesia, de prosa, de amor... Isto vai de mim. Talvez a ciência ainda prove o contrário e eu descubra a minha estupidez. Até lá, esperarei assim como sou. Ensebado e amante.


As águas de Março fecharam um verão conturbado. Pois em se falando de amores, assim como a chuva, vão e vêm. Pena que a vida não é feita só deles. Dentro daquele bolso desinteressante, a papelada, que são contas vencidas, amargavam em juros. Deixe-me devolver o São Jorge aos fiapos e papéis, pois o verão ruim já foi. O outono pede vida nova.

4 comentários:

Cláudia Bredarioli disse...

Estão cada vez melhores seus textos. Parabéns!

Camila Tardin disse...

Muito bom! Vc deveria ter sido atrevido com Marcela, acho que ela iria gostar rs...
Abraço

Pedro disse...

Olha, vc está enganado!

O seu bolso é muito interessante, tal como o seu texto.

Esse tem a virtude de nos prender pelo seu poder de linguagem. Coisa muito rara de se ver por aí. Muito textos tem muito a dizer, mas com pouca prosopopéia jamais vão conseguir. Vai fundo caro colega, cavoca essas letras q elas ão de te recompensar de alguma maneira, q sinto muito não poder lhe informar, mas tenho a impressão q vai dar pano pra manga essa tal vontade doída de escrever, como se vc a coisa mais valiosa a ser feita por nós infelizes, desiludidos, querendo fantasiar, inventar, criar para nos sentirmos criadores, queremos ser deus no fundo. Vamos ser.

Agora vc tem um novo seguidor.
Abraço

Anônimo disse...

Escrevi hoje sobre as aguas de março, que fecham o verao e abrem os cadernos escolares e lembram aos mortais as contas a pagar, pos-carnaval.

Mas eu penso que amar é errar.