Paletas

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

COISAS DE JOSÉ E DE MIM


A escritura de mais uma crônica, a despeito de ser prazenteira, consome inspirações (sejam elas quais forem) e esforço. Assim que escrita sua última, o autor não sossega os pensamentos. Os esboços aparecem logo assim, ao pontuar o final do outro texto. Não esqueci, meu querido leitor. De maneira alguma questiono sua competência em leitura, porque realmente escrevi “esforço”. E não quereria que você, caríssimo, me levasse a mal; agradeçam por lidarem com um escritor cuja franqueza se evidencia nas linhas que leem, muito embora eu não lhes peça concordância com todas as anedotas escritas por mim. Fiquemos assim então, nesta relação de compreensão respeitosa mútua.

Eleger temas por atemporalidade exige a perda de algumas gotas de suor. No entanto, crônicas são textos caracterizados por esta façanha, cuja leitura expresse sentidos cabíveis aos tempos nossos de agora ou, ainda, de outrora. Por esta razão, algumas vezes me tarda para que um assunto desatrelado ao tempo e digno de um bom texto estale nas ideias. Ele veio, prezado leitor. Isto que lê não são meras milongas de um aprendiz metido a escritor tão só. Assossegue-se.

Aconteceu que um dia José perdeu seu cachorro. Morreu de morte morrida, definhando em cima das patas exíguas de carne. Equilibrava-se nas ossadas com dificuldade natural daquilo que envelhece. José, apaixonado pelo animal, amanheceu batendo em minha porta aos prantos. Dei-lhe o ombro e mais o discurso aparentemente decorado de quando se deseja as condolências. Também não quis prolongar as conversas sobre a perda de meu amigo José, pois iria parecer inconveniência minha frente às dores visivelmente estampadas em seu rosto abatido. Calados nós dois, sobrou-me a alternativa de lhe dar um tapa amigável nas costas enquanto chorou. Depois, após fitar-me com olhos avermelhados de choro, virou-se e foi ao recôndito de seu lar repleto de lembranças do cão. Pobre José...

Sei, meu leitor, que minha postura possa ter lhe incitado o ressaibo. Abusando de minha sinceridade mais uma vez, confesso não ter sido de todo sensível com meu pobre amigo José, judiado pela sua perda. Não fui ácido, mas frio. É que ainda sinto os calos de uma perda minha. Por isto, deduzo que é de natureza humana não saber lidar com perdas. Aparecem em contrariedade às nossas querências e nos tomam os bens, os sorrisos, os cães... Deixam-nos saudade e sentimentos materializados em pequenas coisas. Nossas perdas, minha e a de José, pobre dele, estão em fotos e numa coleira. Fora isto, o choro. É que EU não sei lidar com as perdas; já lhe disse, leitor. Inclusive com aquela que sofri quando fui escrever-lhe, meu caro. Ó, minhas queridas gotas de suor...


5 comentários:

Anônimo disse...

Esforço de escrita é inspiração momentânea. Nesse ponto, o esforço é válido.

nada será como antes disse...

Ricardo,

Por favor, não considere este comentário como professoral, mas como lealmente construtivo.

Passo aqui, às vezes, através do link do Darwinista e, antes, trocamos algumas palavras no blog do Pedro Doria.

Você tem potencial para a escrita e é visivelmente esforçado. Mas, talvez por escolher palavras quase em desuso, incorre em riscos ortográficos e de concordância.

Dois exemplos apenas : você escreveu "tecitura" que, creio, é palavra inexistente. Se você quis expressar acordo textual, encadeamento lógico ou algo similar, o correto seria "teSSitura".

Outra : "(sejam elas quais for)" ou algo parecido foi escrito no mesmo parágrafo. O mais adequado seria "sejam elas quais forem", para garantir a concordância.

Permita um conselho construtivo. Use (e até abuse) de sua juventude para agregar estilo próprio e criativo aos seus textos. Não se prenda a palavras em desuso e que são tidas, por alguns poucos, como eruditas ou refinadas ; se elas estão em desuso é porque, talvez, perderam significação ou força expressiva perante novos estilos, construções mais simples, diretas e contemporâneas.

Sua juventude não impede que você seja bom (e é) na formulação temática dos textos, que possuem carga lírica e seriedade palpáveis. Logo, seus temas podem perfeitamente ser desenvolvidos de modo mais leve, com encadeamento livre de palavras e construções mais soltas e, talvez, mais atraentes.

Você é educado, atencioso e disciplinado. Por isso, estou à sua disposição para, na forma mais conveniente, trocarmos outras idéias.

Saudações e continue a escrever.

eduardo disse...

ricardo, sofro desse mal também..depois daquela inebriante sensação de se escrever um texto, hora extra nas idéias pro próximo - uma coisa inquietante!
eu, por natureza, também sou muito saudosista. gotas de suor e lágrimas. normal do ser humano!
obrigado por passar sempre no textosterona, saiba que você é sempre bem-vindo.
continue escrevendo e dando voz ao coração.
parabéns e um abraço pra vcx!

Unknown disse...

Um beijo para vc tbm!

RenatoEssenfelder disse...

Gostei do texto, meu caro, lembrou vagamente coisas que eu escrevia quando novo demais - ainda mais do que sou e do que você é. Gostei especialmente da parte que interessa, da sua crônica, do seu lide, da parte que sobrevive ao nariz de cera.

Acho, contudo, que você pode ser mais franco, mais osso, mais farpa; não é reprimir ou mudar o seu estilo em formação, mas eletrizá-lo na tomada. E não espere inspiração para isso. Ou melhor, espere, e, enquanto espera, escreva. Ainda melhor: reescreva. Assim saem as joías, bem lapidadas. Labuta.

Se serve a dica surrada, mas verdadeira, leia incansavelmente; leituras inusitadas, cânones (o Pound pode ser um bom guia, inescrupuloso) e profanadores.

Abraço e parabéns pela iniciativa.

ps.: Quanto a mim, a casa das farpas está de portas abertas para conversarmos.