Paletas

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

ÀS ESCONDIDAS


Volta e meia a vida mostra que a “coisa mais linda e cheia de graça” se esconde por trás de feiuras. Percebi isso numa destas viagens de feriado prolongado cujo percurso incitava olhos famintos por bonitezas de mundo. Em constante trânsito por entre toneladas de cimento dipostas em colunas e poeira e suspensões metálicas e mais poeira, a visão se perdia no cinza da paisagem e, simplesmente, esquecia das suas maravilhosas matizes.

A arte retratada pelas majestades arquitetônicas, os arcos modernos feitos do mais pesado aço, combinados ao céu azul com pinceladas rosadas e alaranjadas – isto por conta da poeira, fique claro – ficam escondidos. No esconde-esconde, quem ganha ora são as pessoas jogadas nas nauseabundas sarjetas banhadas por um líquido semelhante à água barrosa e com cheiro pútrido; ora ainda os desenhos, traçados como se fossem às cegas, feitos do mais desgraçado preto em spray. 
Fora isso, o mar de automóveis que imperam em, absolutamente, todos os cantos e recantos da selva de pedra. Eram bonitos, por sinal. Mas não são eles que fazem de São Paulo a cidade das preciosidades ocultas por camadas grossas de feiura. Eles ajudam, junto com as pessoas na água putrefata cor de barro e as pinturas tribais nas paredes, a disciplinar os olhos a ficarem vedados às belezas. É cegueira das bravas.

Dei-me conta disto enquanto me debruçava no volante à espera da fila andar. Sou cego, pensei eu. Acima de minha cabeça, o lindo viaduto do Chá cortava parte do céu com seu estilo requintado. A abóbada do Teatro Municipal apontou também, pois não queria ficar atrás no quisito. Via as “coisas mais lindas e cheias de graça” dançarem ao público querendo aparecer. Só que ninguém vê. Todos ali se concentravam no trânsito e lançavam mais cinza num espetáculo de formas merecedoras de colorido e atenção.

Um comentário:

Anônimo disse...

Como sempre, textos merecedores dos melhores elogios! Parabéns, Ri. (Aline Moraes)