Paletas

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

ESPETÁCULO DO ESCURO

O palco estava vazio. Os canhões de luz apagados tingiam o fundo outrora colorido com os tons mais funestos do preto. Num dos flancos do paredão negro que se estendia frente àquela legião de poltronas vazias, o vulto de um rosto. Em movimentos acanhados, a figura se revelava na penumbra. Era delgada, desengonçada e esquisitamente bela. 

Quando de pé, um feixe de luz atingiu-lhe somente a face. Atordoada com a claridade, o holofote desvendou ao público de lugares vagos uma tez alva, maçãs salientes, o nariz pontiagudo, sobrancelhas muito bem desenhadas. Os olhos, pequenos, de choro. Uma lágrima ainda secava enquanto cortava a bochecha esquerda pintada de um rosa leve. 

Se habituando com o foco luminoso no rosto, começou a explorar o território já conhecido, mas que se tornou misterioso depois de engolido pela bocarra do breu. Apalpou o chão e as paredes; andou e engatinhou; sorriu e chorou mais. Abaixo do pescoço, a penumbra ainda escondia detalhes de seus trajes. Visível era uma boina vermelha que lhe cobria a cabeça e só. O corpo parecia coberto por singelas vestes brancas. 

Exaurida, a figura dirigiu-se ao mesmo canto de onde aparecera. Encolheu-se ali na construção de uma das mais lindas cenas de solidão. Era, ali, só. Sem cenário, caía do alto a cortina enegrecida. Sem atores, sozinha era ela. Minguada, voltou o olhar ao centro do palco, onde jazia uma rosa surgida do anonimato. Da flor repousada no chão de madeira, jorraram as cores que começaram a reinar. Das cores, nasceram os personagens, o cenário, a música... Das cores, o aplauso daquele solitário que atirou a flor. A figura delgada pôde, então, encerrar sua interpretação sorrindo, com o palco banhado por luzes mil e a chuva de palmas de um único espectador.
 


Um comentário:

Juliana Bragança disse...

mto bom! e desculpa pela ausencia de visitas por aqui...
espero seguir o seu exemplo, mesmo com zilhoes d coisas pra fazer vc ainda arranja tempo pro seu blog!
parabens!