Paletas

terça-feira, 7 de abril de 2009

COISAS DE BAR

Crônica publicada no dia 5 de Abril de 2009 no jornal Já!

Nos botequins espalhados pelos meandros da cidade, a variedade de conversa é o que não falta. Afinal, todo tipo de gente passa por lá e se acomoda ou nas mesas, lá de dentro, ou nas cadeiras armadas na calçada. Lá, bebem enquanto debatem desde o futebol da semana até a questão da política fiscal da Letônia – sem intenções de desprezar as condutas públicas desse país pouco badalado por aí.

Numa destas tardes de sol tímido, passava eu entre as sombras feitas pelo viaduto suspenso sobre cabeças, com pastas debaixo do braço e um novelo de assuntos vivos que insistiam perturbar um sossego mental, bem merecido depois do trabalho. Esbarrei numa dessas cadeiras enferrujadas, soltas pela calçada em cujo assento fiz questão de me colocar, justamente em frente ao Barzinho do Luiz.

Pouco fiz e já consegui uma cerveja mais um tanto tagarelando sobre as chances de o Corinthians ser campeão Paulista em 2009. Na verdade, só ouvi, não falei pelo fato de não ter tanta afeição ao esporte; entretanto, pensei em tentar enganar com algumas interjeições, ou com comentários sem muito fundamento, mas desisti. Na roda, papo ia, papo voltava, e num instante vi o dono do bar a falar e a sorrir para o vazio, só.

“Com lincença, senhores”. Com a casa cheia, tive de suar a camisa –  uma das expressões mais usadas pelo grupo do futebol, falando de Ronaldo – para chegar até o balcão. Quando, enfim, consegui, aproximei-me e pigarreei. “Luiz?”, perguntei. “Sim, sou eu.”, respondeu-me. E eu: “Estou pasmo do quão longe está você com seus pensamentos.” Ele:  “Pois é, meu caro rapaz. Estou orgulhoso de mim mesmo por conta de ter emprestado dinheiro a uma pessoa chamada Fernando Mendes Ignácio, pelo qual guardo grande consideração, mesmo que sejamos inimigos.”

Fiquei em silêncio, pois Luiz, de maneira empolgante, contou de fio à pavio suas aventuras e desventuras com Fernando. Ao fim, não encontrei palavras que dessem rumo ao assunto. Então, também sorri e, fraternalmente, despedi-me vendo que o contentamento de Luiz ainda não tinha minguado por debaixo da barba grisalha. Virei as costas para voltar ao futebol, ao fisco da Letônia, para qualquer lugar onde eu pudesse entender como era possível sustentar tanta felicidade por ter prestado um favor para um ingrato, principalmente tendo em conta que o seu ganha-pão estava sendo carcomido pela ferrugem. Suas cadeiras, capengas, ainda conseguiam manter o bar com clientela. Poderiam ser substituídas, consertadas, pintadas, sei lá, se Fernando Mendes Ignácio pagasse o empréstimo que tomou de Luiz. Mas, que bobagem! Eu infeliz com a alegria de Luiz. Preciso parar de beber e começar a gostar de futebol. 

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