Paletas

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

BOMBAS DE TODOS OS DIAS


É uma vida sob constante ameaça de bomba. Para os mais distraídos, elas só parecem distantes, mas estão ativas bem debaixo de nossas fuças desprovidas do bom e aguçado faro. Verdade seja dita, é inevitável não comparar, principalmente, a rotina paulistana com esta engenhoca da destruição: repleta dos fios multicoloridos e um pequeno painel com números vermelhos quadrados em agonizante contagem regressiva.

O bip responsável por sinalizar a passagem de um algarismo a outro do painel rubro faz a bondade de o acordar.  Irritante, o barulhinho infernal dita o ritmo do seu banho, da fervura da água para o café – breve, por sinal – do apanhar de sua roupa e, por fim, de sua chegada ao trabalho. De “inho”, só o nome. A pequenez em forma de som põe rédeas no ciclano, no beltrano e, com todo o respeito à família “ano”, nem mesmo as suas adoráveis mães são isentas dessas amarras.

A obediência não se resume, no entanto, ao mero fato de acatar tais imposições sem alguma refutação. Só não se esqueçam que a vida é uma bomba, cujos números em sucessivo processo de troca e os fios coloridos sempre escondem um espetáculo de muita luz e calor. Neste caso, não sobra mais espaço para ideias refutatórias: elas simplesmente evaporam.

Em marcha disciplinada, todos respeitam os tons homofônicos do bip. A desordem se instalou quando, num dia de bomba como outro qualquer, um suspeito objeto lançado no asfalto pareceu emitir bips suficientes para provocar uma interferência sonora e o início de um caos. Ao cabo, o GATE acionado para desativar um frasco de perfume e a mídia chamada para divulgar fotos do que será o próximo catálogo de cosméticos da primeira “bomba aromática” (de slogan “Mate perfumando”). São Paulo, ali e só ali, sentiu as sensações de ter bombas – mesmo que inócuas – por perto.

Pobres criaturas cegas somos nós paulistanos… Cegas e débeis no faro como assim já fora dito. Bom seria caso nossas bombas se abreviassem em explosões de deleite no mais gostoso cheiro de perfume. Mas a vida não é mar de rosas, e sim uma bomba. Sem mais baderna, São Paulo voltou no compasso de seu antigo ditador temporal. Era bom se ajustar: o antigo bip anunciava a explosão do chefe que reclamava do atraso do funcionário, a hora da chegada do trem e os últimos suspiros do doente em seu leito. Bip, bip… BUM!

4 comentários:

Marcelo disse...

Pois é, o relógio é nosso grande inimigo aqui na cidade grande. Cada tique é um presságio de bomba que está prestes a explodir...

Carol Tardioli disse...

E não há quem possa parar o bip... não quero estar aqui pra ver o bum! rs
Como sempre muito bem escrito =)
Um Beijo, Carol Tardioli

Unknown disse...

Há tempos atrás me foi apresentado esse blog. Lutei e relutei com seu escritor. Era muito contrário, hermético, duro. Eu não via que aquele escritor com quem eu conversava colocava em seus textos o seu real ser. Mas Ricardo Chapola se encontrou e enfim agora se escreve. Incrível texto Chapola. Adorei, de verdade. Fui até o fim, atento. Parabéns, meu caro.

Sabrina Fantoni disse...

as aulas desse semestre estão aguçando nosso espírito refutador cada vez mais; mesmo com reações diferentes, está chegando onde deveria: uns se anulam, outros sentem vergonha de nao querer sair desse compasso, e outros simplesmente nao aguentam mais nao ter opção e ser refém dessa rotina -meu caso- e é por isso que apesar de ter td o q eu gostaria de ter -nao materialmente falando- ainda assim, falta. Falta nao sei exatamente o que, mas sei que falta. eu olho pras pessoas de segunda feira e sinto uma pena generalizada, pois eh segunda pra mim e pra vc; gostaria de olhar e me sentir feliz por todos aqueles que eu posso ver, inclusive eu,por estarmos ali, vivendo.. ou melhor, funcionando..