Paletas

terça-feira, 19 de maio de 2009

A CULPA DOS CACOS DE VIDRO

Os gritinhos vinham das crianças corredoras de pés sujos, pois fugiam da arte feita com a janela da vizinha da casa velha quando tinham naquelas mãozinhas um punhado de pedras e um pedaço de pau de farpas salientes. Depois do estilhaço da vidraça, perninhas confundiam-se no ar numa fuga frenética até o terreno depois da esquina. Tempo necessário para dobrarem o muro e, esbaforidos, começarem a planejar os culpados pela sapequice caso fossem descobertos. Assim cresceriam: sobre um bombardeio de dedos apontados para todas as caras.

Após os pés sujos terem calçado os tênis e o corpo enxarcado no suor das brincadeiras ter sido limpo, enxuto e vestido, o tempo era de divertir os neurônios. O ambiente da sala de aula, de ordem impecável por excelência, trazia um outro corre-corre que não o das ruas. Os olhinhos todos disparavam por linhas e mais linhas ao som da barulheira ecoada do escrever dos lápis. Mas, por um momento, essa orquestra foi interrompida por alguém da plateia: “Senhor fulano e ciclano, dirijam-se até a minha mesa com suas respectivas provas. A cola é inadmissíve!” . No fim das contas, um belo e redondo zero falou por si só. Mentira, houve quem dissesse mais alguma coisa: “A culpa foi sua!”.

Largadas as cartilhas, os antigos peraltas da janela, esticados por conta do tempo, trabalham, estudam e correm de carro. O volante entre as mãos, o volume do som nos limites da aparelhagem, enquanto o ponteiro do velocímetro dança entre 0 e 160, cegam os olhinhos antes só repletos de travessuras restritas à pedrinhas nas mãos e um taco com farpas salientes. E, se generalizada toda essa combinação, o resultado não poderia ser outro: carros amassados, despesas amargas e os dedos na fuça.

Os brados graves vinham agora dos senhores engravatados sentados atrás de mesas com microfones abertos. Clamavam por justiça, por acertos e dignidade. Outros queixavam-se, ora dos salários, ora dos castelos que podiam estar melhores. Nesse mar de cacos de vozes, ninguém corria. Os homens de aparência culta se erguiam, não para agir, no entanto para resgatar o legado das traquinagens dos anos de paus, pedras e janelas: “A culpa é sua” . Seria bom se ela recaísse sempre nos que merecem, não é mesmo?

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