Paletas

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

REFÚGIO

Um trabalho escolar.

Repentinamente, abracei a paz. Estava desnorteado com as complicações e a euforia incessante da cidade. Aí, passo pelos portões vermelhos entrando num verde atípico, onde os pássaros cantam sem se engasgarem com a repugnante poluição paulistana. Logo à frente, dorme majestosa a construção ornada por tijolos de ligeiras lascas que constituem um todo exuberante véu recaido sobre uma textura de realeza histórica. Dirigi-me, anestesiado, à entrada: aquela porta de um tom marrom escuro em cuja lateral repousava o aviso de seus horários. Prazer, ó biblioteca!

Adentrei-me e senti o cheiro que viajou por entre minhas veias. A cortina de um perfume de madeira envelhecida dançava até minhas narinas conjugada àquele silêncio orquestral contador de histórias. Basta calar-te. Ouvirás o elegante Machado de Assis, o lirismo de Fernando Pessoa, o tango argentino de Manuel Bandeira, ou ainda teóricas filosóficas e judiciais. No saguão, as mesas, revestidas por um brilho opaco, dispunham-se em fileiras que formavam um corredor central. Ali, obras desfilam.

Pouco caminhei. Apazigüado, sentei-me para sentir o assoalho ranger os múrmurios de êxtase abaixo de meus pés fatigados. Jogada à mesa, que deleitava-se com os rastros de sol, uma pilha de livros amarelados pela idade. Eu, cá, folheava as doces páginas das memórias do defunto autor Brás Cubas e, simultaneamente, tateava a seca obra de Graciliano Ramos. Os sussuros subordinavam minha mente ao passo que fitava o relógio pendurado na parede das janelas observando os ponteiros moverem-se e lançarem os minutos passados contra minha pele, extorquindo-os.

Num impulso, ergui-me. Subi as escadas para desfilar entre as prateleiras do acervo. Acenei várias vezes aos consagrados Marx, Engels; depois à Hegel, Kant; e ainda tive a sorte de encontrar Sartre e seu discípulo Nietzsche. Tudo bem que nada sou, todavia fizeram questão de me saudarem. Assaz entusiasmado, percebi o fim das prateleiras. Desci e tomei a mala. Estava imbuído de satisfação. Distrai-me concentradamente. Era hora de retornar à balbúrdia costumeira. Até mais, biblioteca. Tê-la-ei sempre como a morada de vários amigos.

3 comentários:

Unknown disse...

MUito bom o texto Ri... A muito que não lia texto tão descritivo... Pude sentir até os aromas referidos, e imaginar a excelencia do local em questão...
Muito bom mesmo...
Parabéns
Adoro seus textos...
Você é brilhante mesmo, sem demagogia!!!

Juliana Bragança disse...

nao é a toa que tirou a nota máxima nesse texto hein?!
oh que fofo! vc me colocou nos interessantes! obrigada mesmo!
bjos

Vanessa Yazbek disse...

Difícil encontrar alguém que dê o devido valor à uma biblioteca e que seja sensível o suficiente para perceber a mágica do cheiro de um livro antigo. Adorei o texto, Ri! =)